Bashô-An, onde se aprende o silêncio e a escuta em comunidade

Autor: Ana Martins Ventura.

Em Setúbal, um grupo de praticantes ZaZen sente o dojo como a sua casa, construída sob os pilares da contemporaneidade, do ser solidário e da eco-sabedoria

Ao entrarmos no Dojo Bashô-An, em Setúbal, a sensação de comunidade envolve-nos e as palavras do monge Zen Manuel Simões são um reflexo da “chegada a casa”, que visitantes e praticantes sentem quando ficam frente ao branco da parede, para a meditação ZaZen, também simplesmente referida como Zen. 

Neste dojo-casa, que abriu portas em 2016, são cerca de vinte, aqueles que vêm e vão, em diferentes horários. E foi durante um movimento destes, na jornada de 20 de Junho, que Manuel nos conduziu à resposta sobre o que significa a “chegada a casa” sentida pelo grupo. 

Fotografia de Alex Gaspar

Simples, porque, “no Zen como a totalidade dos seres possuem a natureza do despertar, todos os candidatos são aptos”. Aptos e bem-vindos à comunidade, para aprender o silêncio e aprender a escutar, em união. 

Uma declaração de universalidade e igualdade que Manuel estende como ponte para explicar o Zen, enquanto movimento cultural a partir do qual nasceu a prática meditativa ZaZen, que levou à criação do Dojo Bashô-An. 

Para Manuel o Zen “não é indiano, nem chinês. Tampouco coreano ou japonês. É universal”. Nasceu, cresceu e bebeu de todas essas culturas, como se fosse “água sempre fresca” que, “onde chega mistura-se”, unindo e criando comunidades. 

Seguindo esta ponte, quando chegam ao Dojo Bashô-An os participantes não se sentam apenas no seu zafu. Sentam-se sobre os três pilares fundadores da casa: a contemporaneidade; o ser solidário; a eco-sabedoria. 

Manuel conta-nos que “quando dizemos que o Zen é contemporâneo, queremos dizer que é experimentado por cada um, no mesmo tempo, como no início e desde sempre, mas sempre actualizado. Aqui e agora”. Depois, ancestralmente, o Zen sempre refere o “ser compassivo, ser generoso, ser paciente. E tudo isto se traduz no acto de ser solidário, consigo próprio e com todos os seres”. Quanto à eco-sabedoria, reflecte sobre a casa comum e o modo como a habitamos. Uma sabedoria que o Zen sempre cultivou no acto de “reciclar, vestir-se com tecidos utilizados, levar uma vida simples, não ter muitas coisas, não desejar, não se complicar a vida. A própria e a dos outros”. 

Mas, para recordar o início, antes do Zen unir praticantes e criar raízes em Setúbal, Manuel fala-nos sobre a chegada do movimento cultural a Portugal, nos anos 70, pelos gestos e palavras do mestre Taisen Deshimaru. 

Acredita que “antes já haveria quem reflectisse sobre o Zen”, mas define a sua enraização a partir daquela época, quando Deshimaru passou por Portugal e realizou as primeiras “sesshin”, sessões prolongadas de ZaZen.

A presença do mestre foi vista como a afirmação definitiva do Zen em Portugal, uma vez que ele é considerado na Europa “como se Bodidharma fosse”, numa comparação com o patriarca do Zen chinês, que terá vivido entre os séculos V e VI. E foi também seguindo o caminho de Deshimaru que Manuel Simões bebeu a aprendizagem do Zen, agora partilhada no Dojo Bashô-An. 

“Sentimo-nos e ouvimo-nos nesta escuta silenciosa que nos une” 

Rita Sales começou a prática meditativa no Dojo Bashô-An em 2017, depois de uma primeira experiência, anos antes, durante um período em que residiu na Suíça. 

Fotografia de Alex Gaspar

O início da prática ZaZen coincidiu com o regresso de Manuel Simões do México, onde passara dez anos a trabalhar e a formar-se, vindo novamente fixar raízes em Setúbal. Momento em que “começou a reunir praticantes e a formar o dojo”, recorda Rita. 

Actualmente a aprofundar estudos sobre memória colectiva, a actriz e contadora de estórias reflecte sobre o sentimento que a preenche quando entra no dojo e vê os praticantes reunidos, cada um na individualidade da sua meditação. No momento em que, “nos sentimos e ouvimos nesta escuta silenciosa que nos une”. 

Depois de vários meses sem frequentar o dojo, devido à pandemia e ao facto de estar a viver numa aldeia do concelho de Mértola, no passado dia 20 de Junho, quando chegou ao dojo, o ritual da reunião, ao redor da sala, com cada um sentado frente à parede, no seu momento meditativo, fez com que Rita se sentisse “em casa, identificada”. 

Mas, nem sempre foi assim. No início da prática ZaZen Rita teve dificuldade em manter a frequência. A actriz considera-se muito “terra a terra” e não queria procurar respostas para os seus problemas pessoais “em algo de fora, que alguém um dia criou”. 

Apesar das dúvidas, Rita continuou e surpreendeu-se pelo “respeito à reserva que cada um quiser manter, ou aos laços que cada um quiser criar”. Encontrando o seu ritmo no silêncio do Zen, onde só ela tem as respostas, “devolvidas no olhar frente à parede branca”. 

Já para Filipe Casi, que pratica Zen há cinco anos, a meditação e o seu ritual trazem “o entendimento das pequenas coisas que, na correria do dia-a-dia, passam despercebidas. Tão simples quanto isso”. 

Poderás ler todo o artigo, gratuitamente, na nossa Revista #4.

Revista #4 Agosto 2021

Revista #4 Agosto 2021

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Ana Martins Ventura

Sobre a autora Ana Martins Ventura

Ana Martins Ventura, nasceu em 1984, em Lisboa, mas quase toda a sua vida foi passada a sul da capital, entre o Tejo e o Sado.

Os primeiros passos na escrita criativa e no jornalismo surgiram aos 9 anos, quando começou a produzir contos de Natal e pequenas reportagens para o jornal da escola.

Em 2007, com 23 anos, completou a licenciatura em Comunicação Social, especializando-se em Comunicação de Ciência, na Escola Superior de Educação, do Instituto Politécnico de Setúbal. Mas, depois do estágio de fim de curso, passariam dez anos até regressar ao jornalismo.

Desenvolveu projectos de comunicação de ciência no Museu de História Natural do Funchal e na Casa de La Ciencia, em Sevilha. E integrou equipas de comunicação e relações públicas em instituições ligadas ao Governo português. Até que, no final de 2016, a 28 de Dezembro, surgiu a oportunidade de trabalhar no jornal O SETUBALENSE.

Dedicou quase quatro anos de trabalho ao centenário mais antigo de Portugal continental. Anos durante os quais reaprendeu técnicas e, através das suas reportagens, propôs-se a defender causas como a inclusão e o direito à habitação. Em 2021, novos desafios. Surgiu a oportunidade colaborar no programa “Linha Aberta com Hernâni Carvalho”, emitido na SIC, e desenvolver actividade como jornalista correspondente do NOVO Semanário.